Mais comprometimento dos governos municipal, estadual e federal com a área de Saúde, através de, entre outros planos, uma política de recursos humanos forte, é o que desejam os presidentes do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (Sindmerj), Jorge Darze, e da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Geraldo Ferreira Filho.
 
Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, os dois traçaram um panorama geral da situação calamitosa que vive o Rio de Janeiro, no âmbito das três esferas, e o restante do Brasil, chegando à conclusão que, para o cidadão ter um serviço público de qualidade há necessidade da nomeação de gestores que aliem conhecimento técnico e político para as pastas de Saúde; maior percentual do orçamento geral do governo federal para a área; e contratação de profissionais, entre os quais médicos, técnicos de enfermagem, técnicos de laboratório, psicólogos e assistentes sociais, por intermédio de concursos públicos.
 
"Nós sabemos que em um país como o Brasil, aproximadamente 70% da população dos grandes centros e quase 100% dos moradores das cidades de pequeno porte dependem do serviço público", destacou Geraldo Ferreira Filho. "Anualmente, são gastos cerca de R$100 bilhões com a Saúde, mas a quantia é insuficiente. O conflito na área vai desde a falta de recursos financeiros à gestão, na maioria das vezes, política, cujo retrato pode ser visto, hoje, no Rio de Janeiro. O que constatamos é que alguns hospitais têm potencial para realizar um número maior de procedimentos, mas faltam recursos humanos, verba para pagar pelo pessoal e uma gestão eficaz", assinalou Ferreira Filho.
 
 
FOLHA DIRIGIDA - O problema da saúde pública é verba insuficiente ou má gestão?
 
Geraldo Ferreira Filho - Anualmente, são gastos cerca de R$100 bilhões com a Saúde, mas a quantia é insuficiente. Na verdade, o conflito vai desde a falta de recursos financeiros, reconhecida pelo ministro da Saúde, Arthur Chioro, à gestão, na maioria das vezes, política, cujo retrato pode ser visto, hoje, no Rio de Janeiro. Não acredito que a administração deve ser absolutamente técnica, sem o viés político, contudo, quando o gestor não conhece a área na qual está trabalhando, a chance de um bom trabalho ser feito é menor. O que constatamos é que alguns hospitais têm potencial para realizar um número maior de procedimentos, mas faltam recursos humanos, verba para pagar pessoal e uma gestão eficaz.
 
O projeto de lei de iniciativa popular que destina 10% da receita corrente bruta do Brasil para a Saúde, na Câmara dos Deputados desde 2013, poderá vingar? A lei eliminaria as dificuldades atuais?
 
Jorge Darze - O projeto de lei sofreu uma alteração tão grave que o resultado final não traz nenhum acréscimo ao orçamento atual da Saúde. Caso o texto original fosse mantido, teríamos, pelo menos, mais R$60 bilhões no orçamento do Ministério da Saúde, porém o governo, dentro do Congresso Nacional, desfigurou o projeto, ao transformar a receita bruta em líquida. A quantia original não eliminaria todos os problemas atuais, mas seria uma importante injeção de recursos. O governo Lula e o governo Dilma têm mostrado que a Saúde não é uma prioridade e nem será, condenando-a a permanecer nesse quadro calamitoso. Na divisão do orçamento geral, os banqueiros ficam com uma parcela significativa, enquanto à Educação e à Saúde restam percentuais ridículos, que não chegam a 5%.
 
A União, o estado e o município do Rio de Janeiro acertaram regulação única para os hospitais, mas nada foi dito ainda sobre a carência crônica de pessoal, de recursos financeiros e  equipamentos. Acreditam que essa é a solução?
 
Geraldo Ferreira Filho - A integração entre as três esferas é fundamental. Na maioria dos municípios, os hospitais de urgência e emergência são estaduais, pois as prefeituras não conseguem bancar os custos dos mesmos. Após o paciente ser atendido em um deles, porém, é preciso encaminhá-lo a um hospital de retaguarda, que estaria nas mãos do município. As unidades federais, formadoras de especialistas, ficam responsáveis pelos procedimentos mais complexos. Para termos um sistema único, ou seja, não segmentado, de Saúde, em que a estrutura funcione em seu grau de eficiência máxima, é decisiva a integração.
 
Jorge Darze - No Rio de Janeiro, tentava-se explicar que a causa da crise da área de Saúde era o quadro político de conflito entre as esferas. Todavia, a unidade política que temos há quase uma década, com o PMDB à frente do governo do estado e da prefeitura há oito e seis anos, respectivamente, e o PT no governo federal há 12, ainda não trouxe a esperada solução para a crise. Se a tal integração anunciada recentemente, a qual eles preveem um período de seis meses para ser consumada, não estiver associada a uma política de recursos humanos, passaremos seis meses apostando em um projeto que não dará certo.
 
Pouca coisa melhorará se não forem abertos concursos para as três esferas governamentais? Além de médicos, a carência é generalizada em todas as funções da área de saúde, tais como enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e técnicos de enfermagem?
 
Geraldo Ferreira Filho - Faltam profissionais da saúde nas três esferas, mas não queremos que o governo repita o erro do Mais Médicos, inventando bolsa ou pós-graduação. Desde o primeiro momento, em reunião com o ministro da Saúde, colocamos nossa posição claramente: se um determinado município não tem condição de contratar, então que o governo federal contrate o profissional, via concurso público, garantindo seus direitos trabalhistas, e disponibilize-o, através de convênios, à prefeitura. Faltam médicos de praticamente todas as especialidades, sendo que algumas, como Endocrinologia e Neurologia, estão em estado crítico. E o médico não trabalha só, o que significa que a carência de outros profissionais, como enfermeiros, técnicos de enfermagem, técnicos de laboratório, psicólogos, assistentes sociais e outros, também é alta. Para cada médico alocado em um posto de trabalho, abrem-se, no mínimo, cinco vagas para outras funções.
 
No Rio de Janeiro, a situação atual de austeridade prejudicará ainda mais a Saúde pública, mesmo tendo o governador Luiz Fernando Pezão declarado que ela é prioritária, assim como a Segurança e a Educação?
 
Geraldo Ferreira Filho - Eu acredito que sim. Raros são os estados em que as dívidas na área de Saúde não são gigantescas. O caos está instalado em Brasília, por exemplo, e o Rio Grande do Norte deve R$100 milhões. Para os governantes, então, não custa nada dizer que não haverá cortes na área, mas fato é que precisarão pagar as dívidas. O que sobrar, após a quitação, será suficiente para fazer o sistema funcionar adequadamente? Muito provavelmente, não. Se o ano promete ser dificuldade financeira ou de crise, é claro que atingirá a Saúde, mesmo que digam que ela é prioritária.
 
 
Nas três esferas, a rede federal é a que possui maior defasagem de pessoal. Dos hospitais federais do Rio, em qual a situação é mais calamitosa em termos de pessoal?
 
Geraldo Ferreira Filho - Lastimavelmente, o que o governo federal quer é extinguir a sua rede. Na área federal, hoje, há poucos hospitais, pelo menos no Ministério da Saúde. Em relação ao Ministério da Educação, que é outro empregador, criaram a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), para contrato via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No Rio de Janeiro, não é possível apontar somente uma unidade, pois todos os hospitais federais estão sofrendo com a falta de pessoal.
 
Jorge Darze - Todos estão deficitários. O Ministério da Saúde não faz concurso há muito tempo, e os que estão trabalhando em uma unidade federal estão próximos de se aposentar. São pessoas que entraram há muitos anos, através de concursos públicos, e que adiam a aposentadoria por saberem que perderão dinheiro quando o fizerem. O estado, assim como o município, também passa por uma situação gravíssima, devido ao congelamento do salário, que já dura 15 anos. Hoje, o médico do estado ganha em torno de R$2 mil, o que é ridículo
para um profissional que exerce a função com competência.
 
 
Na Saúde pública convivem estatutários, celetistas, temporários e organizações sociais, com cargas e salários bem diversos. Isso é bom ou mau para a sociedade?
 
Jorge Darze - Na minha opinião, não é bom. Considero um absurdo ter em uma mesma rede pessoas que realizam tarefas iguais ganhando salários diferentes. Não acho correto que um estatutário, que se submeteu à aferição de sua competência em um concurso público, receba um salário três ou quatro vezes inferior ao de alguém que passou por um processo seletivo ou que, em alguns casos, nem mesmo prova precisou fazer. A atual política de recursos humanos não favorece o surgimento de grandes médicos, como acontecia antigamente. A terceirização está acabando com o patrimônio científico que foi acumulado ao longo de décadas e está criando um monstro, pois a mão  de obra é rotativa e não há mais transmissão de aprendizado.
 
Geraldo Ferreira Filho - A maioria dos estados argumenta que utiliza outras formas de contrato por estar no limite prudencial. O governo federal, porém, gasta muito pouco com o  funcionalismo. O que ele tem de fazer para suprir essa necessidade de profissionais são concursos públicos.
 
Além da questão salarial, um dos problemas da categoria é que costuma ser vista como responsável pelas falhas, recaindo sobre ela a ira dos pacientes. Poucos culpam o governo. Seriam esses alguns dos motivos do desinteresse dos médicos pelo serviço público, que acarretam na falta de tantos profissionais?
 
Geraldo Ferreira Filho - O salário é importante, mas o principal motivo do desinteresse são as condições de trabalho, que geram frustração no profissional, e não a falta de amor pelo serviço público. O grande desejo da maioria dos médicos brasileiros é ter uma carreira estável e pública, semelhante às do Judiciário. Nós, que fazemos parte de entidades representativas, lutamos por isso.
 
 
Implantada em 2013, a Empresa Pública de Saúde (RioSaúde), da prefeitura da capital, ainda não fez concurso para efetivos celetistas, o que está prometido para este semestre. A empresa está atrasada? Já disse a que veio?
 
Jorge Darze - Ela é somente mais um experimento da prefeitura em seu projeto de privatização da saúde, agora que as organizações sociais (OS) estão se esgotando. A criação da RioSaúde demonstra que o governo municipal não quer trabalhar com servidores públicos estatutários. O que move a empresa é o lucro.
 
Qual o balanço da atuação das organizações sociais na Saúde? Jorge Darze - Eu não preciso dizer que o balanço é negativo, pois a própria população já o diz. Se perguntarmos ao povo qual a sua principal preocupação, dirá que é a Saúde pública. As OSs não trouxeram nenhuma grande mudança na qualidade da assistência. No Rio de Janeiro, continuamos a viver uma situação catastrófica no que diz respeito à saúde.
 
A União não libera concurso para os hospitais universitários (HUs) do Rio, que, por sua vez, não querem se alinhar à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), apesar de sofrerem forte pressão do governo. Nessa briga, a população é que sai perdendo, pois não tem profissionais de saúde para atendê-los? A Ebserh tem conseguido amenizar os problemas da falta de pessoal nos HUs dos demais estados?
 
Geraldo Ferreira Filho - Temos acompanhado o processo de contratação da Ebserh no Brasil como um todo. A empresa fez suprir uma parte do pessoal, o que obviamente amenizou a crise, mas a eficiência administrativa que apregoavam não pôde ser vista, já que no fim do ano passado, para citar um exemplo, nos hospitais universitários do Rio Grande do Norte, continuaram a ocorrer os mesmos problemas das gestões anteriores. O formato celetista de contrato da Ebserh, apesar de garantir direitos, não é o ideal, pois não oferece estabilidade ao profissional da saúde, o que dificulta a reivindicação de melhores condições de trabalho.